Nesta edição
💫 O Sentido de Revolução
🔍 Retrospectiva de 2024
📅 Planos para 2025
O Sentido de Revolução
Uma das minhas séries favoritas se chama Fargo. Na segunda temporada, um personagem comenta que o sentido original da palavra Revolução é astronômico. Trata-se do movimento de um corpo celeste ao redor de outro corpo celeste, por exemplo, do movimento da Terra ao redor do Sol, e que chega ao mesmo ponto de onde partiu, realizando um ciclo completo. O que é interessante, segue o personagem, considerando que o sentido social mais comum de revolução é de ruptura, de transformação, de mudança.
Essa é uma questão que sempre reaparece para mim quando nos aproximamos do fim do ano, ou como me disseram uma vez, a “sexta-feira do ano”. Porque astronomicamente poderíamos falar que 1º de janeiro é 1º de janeiro, a Terra está no mesmo lugar em relação ao que esteve no ano passado. Mas socialmente o ano novo também é sinônimo de novidade, de mudança, de transformação. É o momento em que, subjetivamente, as nossas energias parecem estar renovadas, em que nos sentimos mais dispostos a iniciar novas empreitadas - ou, contrariamente, em que fazemos uma avaliação negativa, onde não atingimos nossos objetivos anteriores, em que sentimos que durante aquele último ano não saímos do lugar, o que curiosamente nos aproxima novamente da compreensão astronômica, já que nos movemos tanto para no fim, acabar “no mesmo lugar”.
À primeira vista essas duas leituras de Revolução podem parecer mutuamente excludentes, mas talvez elas sejam na realidade uma unidade contraditória. Revolução pode ser tanto uma ruptura, uma transformação, quanto a completude de um ciclo e um retorno “ao mesmo ponto”. Porque esse mesmo ponto nunca é de fato o mesmo, e a simples passagem do tempo nos confirma isso: o mesmo ponto nunca é o mesmo tempo.
Além disso, se Revolução é ruptura, cabe lembrar nenhuma ruptura é absoluta: ela é sempre também continuidade. Para tanto, bastaria apenas pensarmos sobre nós mesmos. Dificilmente diríamos que somos a mesma pessoa que éramos cinco anos atrás, ou mesmo um ano atrás, mas também seria impossível afirmar que não continuamos sendo “Eu”. O que é esse “Eu” que é relativamente contínuo, independente de tantas revoluções que passaram? O que são as partes de mim que ficaram para trás ao longo das revoluções (sejam elas astronômicas ou puramente internas)? O quanto que aquilo com que eu rompi foi determinante e necessário para eu ser o que sou hoje?
Gramsci falava do interregno, o momento de transição entre o velho e o novo, onde surgem “sintomas mórbidos”. Talvez não só surjam sintomas mórbidos, mas uma série de diversos fenômenos durante momentos de transição, justamente por estar nesse interregno entre o antes e o depois, a “zona limítrofe” que separa o que aconteceu e o que acontecerá, o que eu fui e o que eu serei, o que eu fiz e o que eu farei. É um processo complexo em que eu sou e não sou a mesma pessoa.
Claro que não é apenas na revolução astronômica que isso acontece, mas podemos talvez arriscar que a transição de um ano a outro reforça uma tendência à reflexão, avaliação, ponderação, etc. A psicoterapia, acredito, também reforça essa tendência, estimula a reflexão, assim como outros eventos da vida. Não há nada de único ou especial nesses processos, apenas uma combinação distinta de elementos atuando de determinada maneira.
Curioso, para mim, é a “renovação” que muitas vezes vem com esse processo. O sentir-se revitalizado, o fazer planos, o estabelecer metas, etc. Não é incomum surgir em conversas o desejo de que o ano acabe logo, a sensação de falta de energia, o adiamento de obrigações para o ano seguinte. E por outro lado, em janeiro é comum a sensação de maior disposição, mesmo quando não tiramos férias nesse período e temos, no máximo, alguns dias de descanso do labor entre natal e ano novo.
Qual o mecanismo psicológico que produz isso? É um placebo? De fato revitalizamos nossas energias no processo astronômico de revolução, quando a Terra completa seu ciclo ao redor do Sol? É um astrológico, isto é, da influência da posição dos astros e planetas nas nossas disposições subjetivas?
Sou cético em relação a isso, mas também não pretendo aqui encontrar respostas a esse processo. Fato é que estamos em dezembro e desde novembro já comecei a “maquinar” sobre os planos para o ano seguinte, animado com as coisas que pretendo fazer.
Fim de ano e início de ano é o momento em que faço diversos planos para a vida pessoal e profissional. Muitos, no final do ano seguinte, foram postergados ou abandonados. Muitas metas não são alcançadas, muitos planos não são realizados. Antigamente, isso me angustiava, parecia uma corrida contra o tempo, ou então um fracasso. Hoje, isso ainda me angustia, mas de um jeito diferente. É mais sobre paciência do que sobre fracasso, mais sobre o que está diante de mim do que o que ficou pra trás.
É por isso que desde o início eu gosto de fazer essa “retrospectiva”, é uma forma de contemplar e avaliar o que eu fiz, e não só o que eu não consegui fazer. Às vezes o pouco que fazemos, mesmo que espaçado no tempo, quando visto ao final se revela como um conjunto relativamente grande de feitos, por mais microscópico que pareça quando emparelhado com o movimento astronômico dos planetas.
Retrospectiva de 2024
Eu tenho diminuído um pouco o ritmo das traduções de 2022 pra cá. Se dois anos atrás era comum ver traduções novas semanalmente, às vezes duas em uma mesma semana, esse ano me esforcei (juro) para desacelerar esse ritmo intenso de tradução, mas tentando manter o padrão de uma tradução nova a cada duas semanas.
Há vários motivos para isso. Em primeiro lugar, o aumento dos atendimentos e supervisões. 2024 foi um ano que aumentei minha jornada de trabalho, e mais atendimentos significa também mais tempo dedicado a estudos de casos, leituras focadas, etc.
Um segundo motivo para a desaceleração foi o foco em outras atividades, mais robustas, como grupos de estudos, tradução de obras, organização de cursos e aulas (muitas que serão realizadas apenas em 2025). As traduções são o carro chefe do projeto, mas como tudo na internet, possui uma durabilidade bastante baixa e precisa ser constantemente atualizada com “conteúdo” novo. As novas traduções, fruto de muito tempo de trabalho e pesquisa, logo são esquecidas, e muitas vezes acabam soterradas pela montanha de novas informações produzidas. Não quero ter que constantemente enterrar meu próprio trabalho com novas produções, e a maneira que encontrei de fazer isso é de redirecionar parte do meu tempo e energia para esses produtos que tem maior “durabilidade”.
Um terceiro motivo é a própria vida. 2024 acabou sendo um ano de muitas mudanças que exigiram prioridade. Foi um momento necessário de reorganização pessoal e quero manter um nível de trabalho saudável. Trabalhar como autônomo (como psicólogo e supervisor) exige um rigor quanto ao tempo, e o mesmo posso dizer sobre administrar um projeto como o Kátharsis. É muito fácil se perder e esquecer do que é mais importante ou porquê nos dedicamos voluntariamente a essas atividades.
Nesse sentido, e antes de ir de fato ao resumo, gostaria também de agradecer àqueles que voluntariamente realizaram traduções para o Kátharsis. Dos 33 textos inéditos da página, 18 foram fruto de traduções voluntárias, isto é, mais da metade do trabalho. De fato, o Kátharsis pode ser atrelado ao meu nome, mas hoje já é um projeto muito mais coletivo e que se sustenta pelo trabalho colaborativo daqueles que acreditam e se empenham na divulgação da ciência marxista.
Medium
Como disse anteriormente, foram 33 textos novos em 2024, cerca de 300 páginas de material, a maioria inéditos em língua portuguesa. No total, foram cerca de 15000 acessos à página do Kátharsis.
Os textos mais lidos do ano do Kátharsis foram os seguintes:
V. V. Lebedinski - Autismo como modelo do desenvolvimento emocional anormal (690 visualizações)
A. R. Luria - Perspectivas Científicas e Becos sem Saída Filosóficos (463 visualizações)
L. F. González Rey - O Conceito de Saúde (459 visualizações)
D. F. Zaldívar Perez - Problemas Teóricos e Metodológicos no campo da Psicoterapia (444 visualizações)
S. L. Rubinstein - Reflexões sobre a Psicologia (320 visualizações).
2024 foi um ano dedicado a divulgar alguns autores clássicos da psicologia soviética, como S. L. Rubinstein, A. V. Petrovski e E. V. Ilienkov. Também foi um ano que me interessei mais por textos voltados para clínica e psicoterapia, devido ao meu trabalho.
Podcast
Em 2024, lançamos a segunda temporada do Kátharsis Podcast, dedicado à Teoria Histórico-Cultural de L. S. Vigotski. Foram 06 episódios que, somando com os anteriores, renderam mais de 5000 reproduções em 2024 (para comparativo, em 2023 tivemos cerca de 3000 reproduções).
E-books
Uma novidade no Kátharsis foi o lançamento de e-books. Em janeiro, tivemos a publicação da obra Perturbações da Personalidade, uma tradução inédita do quarto capítulo da obra Patopsicologia. É um e-book de cerca de 200 páginas, que inclui fotos raras da autora, uma apresentação da obra e da autora, além de notas de rodapé que aprofundam o conhecimento sobre as referências, experimentos, etc. A previsão era de um segundo e-book lançado esse ano, mas infelizmente teve que ser postergado para início de 2025.
Cursos e Participações
No primeiros semestre de 2024 tivemos a 2ª Edição do curso História da Psicologia Soviética, com a tradução de textos inéditos que complementam a formação, reorganização do conteúdo e novas sínteses. A perspectiva é de uma nova reorganização para a terceira edição, que deve resultar em uma versão definitiva do curso.
Também foi um ano em que realizei diversas participações em cursos e formações, ministrando aulas sobre patopsicologia, sobre os fundamentos filosóficos da Teoria Histórico-Cultural, sobre manejo clínico, compartilhando um pouco da minha experiência prática e teórica e alguns elementos que considero importantes para a nossa prática.
Por último, gostaria de destacar o trabalho que estou realizando junto a diversos colegas e camaradas no Coletivo de Psicologia Histórico-Cultural. Em abril realizamos nosso primeiro simpósio, dedicado à teoria clínica, mas ao longo do ano foram realizadas diversas atividades, grupos de leitura, grupos de estudo e discussão, etc. Especificamente, organizei durante o ano um grupo de leitura sobre clínica e psicoterapia, com leitura de textos de autores como S. L. Rubinstein, L. I. Bozhovich, L. F. Gonzalez Rey, entre outros.
Planos para 2025
Como já comentei em alguns momentos e informalmente, a perspectiva é de que o Kátharsis se volte para atividades mais robustas no próximo ano. Por um lado, isso significa (como já significou em 2024) uma diminuição das traduções livres. Por outro lado, significa que consigo realizar atividades mais significativas (cursos, aulas, lives, etc.) de forma mais contínua. O objetivo é que em 2025 tenhamos continuamente atividades e eventos de pequeno e médio porte ao longo de todo ano, e duas vezes cursos grandes (de 12h ou mais).
Mas diminuição das traduções não significa que não teremos traduções. Elas ainda são a linha de frente do projeto, e pretendo manter uma frequência quinzenal de novas traduções (a depender da colaboração de tradutores voluntários, essa frequência pode aumentar). Em 2025, pessoalmente, pretendo continuar focado na Psicologia Soviética, especialmente na escola de S. L. Rubinstein.
Aliás, 2025 será um ano particularmente especial para quem está interessado no psicólogo soviético. Início do ano teremos o lançamento do primeiro volume do seu livro, Fundamentos da Psicologia Geral, acompanhado de um minicurso que pretende auxiliar na leitura e estudos do livro. A previsão é de que esse material seja lançado no fim de janeiro, então fiquem atentos!
Não posso compartilhar muito mais do que irá acontecer no primeiro semestre de 2025, mas o plano é termos mais um curso, um aulão e o lançamento da terceira temporada do Kátharsis Podcast, focado em um famoso caso de um dos mais importantes psicólogos soviéticos.
No segundo semestre, a perspectiva é de lançamento de mais um e-book, mais um curso e mais um aulão.
Além dessas atividades, pretendo manter a newsletter como um canal contínuo de reflexão e anúncio. A grande maioria do conteúdo da newsletter será aberto e gratuito, porém algumas seções serão exclusivas para assinantes pagos.
Como já reforcei diversas vezes, não sou fã de colocar barreira financeira sobre o conteúdo do Kátharsis, e justamente por isso o mais importante (as traduções) são gratuitas. Os cursos, escritos, etc., que são pagos são, na esmagadora maioria das vezes, material acessório e auxiliar.
Porém, é esse material acessório e auxiliar, como os cursos, assim como o financiamento coletivo (Apoia-se), que torna o projeto financeiramente rentável. Infelizmente sou um profissional autônomo e o Kátharsis é um projeto que coordeno no tempo livre, então a contribuição financeira é fundamental para que o projeto continue existindo.
Encerro essa newsletter, que comecei a escrever há duas semanas, na última sexta-feira do ano. Pessoalmente. foi um ano que passou muito rápido, e essa newsletter foi um dos poucos momentos que consegui de fato sentar e refletir sobre o quanto me dediquei a esse projeto que dia 02 de janeiro completa 4 anos. De um projeto de podcast para um conjunto de frentes de atuação, fico feliz com o que o Kátharsis vem se tornando ao longo do tempo.
E especialmente, queria agradecer a todos que tem acompanhado esse projeto, feito sugestões e participado dos espaços. O principal motor que impulsiona o projeto é a constante participação das pessoas engajadas e interessadas na proposta; e não há iniciativa do Kátharsis que não receba uma quantidade descomunal de participação, “engajamento”, etc. Enquanto vocês demonstrarem interesse e necessidade, o Kátharsis vai continuar existindo de uma forma ou de outra.
Um abraço a todos, e um feliz ano novo.